quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Honra lavada (depoimento de um morto).


Na primeira facada foi só um não.


Como quem não acredita no que ocorre, como se fosse um sonho, ou melhor, pesadelo. A segunda já foi sentida como realidade. Os seus olhos fitaram os meus e se encheram de lagrimas.


Mas, eu não perdoei. Nunca, nunca perdoaria uma traição. Eu tinha lhe dado tudo e ela me traiu. Na calada da noite, nas suas andanças com suas amigas, nas suas idas a igreja. Mentira, mentira! Era só para se encontrar com seu amante.


Mas, ele não a teria, nunca mais.


A terceira facada foi no ventre e manchou de vermelho sangue todas a suas roupas alva, branca como as fardas dos anjos.


Ela não gritou, só gemeu.


Seus cabelos misturaram-se ao sangue que já empapava os lençóis da cama.


Porém, ela merecia mais. E continue o massacre como um louco que já não sabe o que faz.


Todo o seu corpo tinha perfurações. Seus olhos já não tinham vida, seu coração não batia, sua respiração cessou.


Caí em mim... Ela já não existia. A mulher que eu havia escolhido para ser minha esposa, mãe de meus filhos, para dividir a existência jazia morta em meus braços.






Precisava fazer algo.


Enrolei o corpo em lençóis. Era noite. Lugarejo longe. Amarrei pedras nos seus braços e pernas e atirei o corpo no açude profundo.






A todos disse que ela tinha ido embora. Ninguém desconfiaria. Todos sabiam que ela tinha um amante.






Passaram-se anos. De honra lavada procurava esquecer o fato. A velhice chegou, a morte chegou.


E desse lado descobri que aquela que tirei a vida nunca havia sido infiel aos votos do casamento. Fora meu ciúme, as intrigas, as fofocas que me fizeram perder a cabeça.


Hoje a procuro para pedir perdão. Mas, ela está muito longe de mim. E eu padeço a dor do arrependimento.

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