domingo, 12 de dezembro de 2010

História de uma desencarnada.


Quando parti nada deixei.



Poucos me acompanharam a “última morada”.


Mas, tinha de ser assim.


Poucos resistiram ao que resisti.


Nasci na guerra, na primeira.


Meus pais me escondiam como podiam.


Tapavam minha boca.


E uma vez quase me sufocaram por isso.


O peito da minha mãe secou pela fome.


As batatas eram escassas.


Meu pai foi morto por um soldado.


Que não nos matou talvez por também ter esposa e filha.


Quem sabe?


O pós-guerra foi à fome.


A miséria era imensa.


Minha mãe se prostituiu.


Mas, não ganhava quase nada.


Muitas mulheres faziam a mesma coisa.


Vivíamos das sopas doadas nas porta das igrejas.


Nas ações de bondade particulares.


Ou nas ações do governo.


Desde pequena vagava pela cidade destruída.


Não gostava de ver minha mãe receber homens.


Ela envelhecia rapidamente.


Já não sorria.


Às vezes só para mim quando lhe leva uma flor campestre.


A vida foi dura para ela.


Morreu tuberculosa.


Fui recolhida a um abrigo.


Mas, não passei muito tempo.


Consegui emprego numa dessas casas que sobraram após o conflito.


Pois, tem gente que enriquece com a guerra.


Era faxineira.


O tempo passou casei com um homem simples sapateiro.


Tivemos três filhos.


Um faleceu.


Os outros dois perderam-se no mundo.


Veio o segundo conflito.


O terror, o medo, a fome.


Dessa vez foi pior.


Não existia honra.


Só morte e ódio.


Mas, findou como tudo.


Deixando a destruição.


E a obrigação de reconstruir.


E sofrer.


Meu esposo faleceu.


Eu fiquei só.


Envelheci.


Sem ninguém.


Adoeci sem ninguém.


Colocaram-me num abrigo de velhos.


Onde morri.

Não tive direita a última oração.


Ninguém chorou pela anciã que se foi.


Não havia beleza só rugas.


Num corpo decrépito.


Fiquei ali.


Mas, afinal não havia morrido?


O que me restava?


Ouvi meu nome.


Estarreci...


Levantei...


Estavam lá...


Todos...


Meus pais.


Meus filhos.


Meu esposo.


Meus amigos.


E como nunca tinha sido feliz em vida.


Estava-o sendo agora morta

Um comentário:

Runa disse...

Acho que concordo contigo. A felicidade não foi feita para os vivos...

Bjs

Runa